SÃO MIGUEL DAS
MISSÕES/RIO GRANDE DO SUL – BRASIL - Uma das mais emocionantes histórias da
humanidade ocorreu nas fronteiras do MERCOSUL. Área hoje formada pelas divisas
do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Entre os anos 1609 e 1768 Padres
Jesuítas e índios Guaranis construíram um novo caminho para a humanidade.
Inicialmente fundaram sua Província Modelo com cerca de 30 Reduções nas
Regiões do Tape (RS), Itatim (MS) e Guairá (PR), as quais foram atacadas pelos
bandeirantes na tentativa de levar os índios como escravos, sendo que milhares
deles acabaram nas lavouras de São Paulo.
Após vários ataques migraram para a região entre o Rio Uruguai e o Rio
Paraná. Em 1639 o Padre Montoya foi a Madri, conseguindo a autorização para o
uso de armas de fogo o que levou a única grande vitória guarani frente às tropas
paulistas na Batalha de M’bororé em 1641. Deste momento em diante, passou-se
mais de 100 anos de tranquilidade onde o projeto pôde crescer. Para onde hoje é
o Rio Grande do Sul retornaram a partir de 1682.
O
novo modelo
Este novo modelo fazia com que as ferramentas e os meios de produção, em
vez de pertencerem a particulares, eram propriedade coletiva; as classes e o
Estado foram abolidos. Os trabalhadores da indústria e da agricultura formaram
uma associação livre de trabalhadores que se administrou economicamente. A
economia local organizada, segundo um plano, baseou-se numa técnica
aperfeiçoada, tanto na indústria como na agricultura. Não houve oposição entre
a cidade e o campo, entre a indústria e a agricultura.
Os produtores foram repartidos segundo a regra “De cada um, segundo suas
capacidades, para cada um, segundo as suas necessidades”. A ciência e as artes
foram colocadas em condições suficientemente favoráveis para chegarem a seu
pleno florescimento. A personalidade dos guaranis isenta de preocupações da
existência cotidiana e da necessidade de comprazer aos poderosos deste mundo,
acabaram realmente livres.
A
mais original das sociedades cristãs
O Padre Lugon, em seu livro, disse que foi a mais original das
sociedades realizadas. Paul Lafargue, em conjunto com Bernstein, Kautski,
Plechanov explica que o projeto constituiu um das experiências mais
extraordinárias, que jamais tiveram lugar.
Também Charlevoix e Muratori reconheceram-na como um modelo sem precedentes
de sociedade cristã. A revista Lês Lettres Edificantes et Curieuses, dirigida
pelos jesuítas, comparava os guaranis aos primeiros cristãos e descrevia suas
comunidades como a realização ideal do cristianismo. Voltaire afirmou que o
projeto Jesuítico-Guarani foi um “triunfo da humanidade”.
O Abade Carbonel chamou de “coletivismo espontâneo”. Pablo Hernandez na
Organización Social de lãs Doctrinas Guaranies, escreve que o maravilhoso surge
a cada passo. O filósofo Rayal escreveu: Aí se observavam as leis, reinava uma
civilidade exata, os costumes eram puros, uma fraternidade feliz unia os
corações, todas as artes de necessidade estavam aperfeiçoadas. A abundância era
ai universal. Teve a graça das crianças, uma pureza repleta de candura. O mundo
novo que estamos procurando realizar não pode menosprezar a lição fornecida.
Dois padres cuidavam da vida religiosa e temporal de mais de dois mil
índios em cada redução, naquela fase inicial. Assim que uma tribo aceitava
renunciar à vida nômade e se descobria uma localização favorável, era preciso
construir, semear, comprar gado. Os padres expunham-se pessoalmente, labutando
duro.
Ocorre
o desenvolvimento
Com o deslocamento das reduções e a consequente exploração dos ervais,
madeiras preciosas e estâncias ocorreu o desenvolvimento. A localização final
ficou estabelecida com oito reduções onde hoje está o Paraguai, 15 na
Argentina, nas Províncias de Misiones e Corrientes e finalmente Sete do lado
brasileiro, no noroeste do Rio Grande do Sul, onde hoje chamamos de Região das
Missões. O número de habitantes chegou a quase 150.000.
Pelas eleições escolhiam seus alcaides, fiscais e outros ministros, e
por este exercício adquiriram um sentimento de autonomia nacional e de
responsabilidade em face do bem comum. Elegiam-se também chefes de setores
“escolhidos entre os mais fervorosos cristãos”. O comércio exterior era também
responsabilidade da confederação. As mais belas tradições de ajuda mútua e de
amizade reinavam entre as diversas reduções e as diversas regiões. Os guaranis
não eram desviados do mal pelo medo de punições, mas atraídos pelo bem em razão
do ambiente social, pelo exemplo de todos e pela emulação.
Agricultura
Quanto à agricultura os índios tiveram que abandonar a vida nômade para
se fixarem às reduções, as condições do território eram de excelentes terras. O
clima era saudável. Canais de irrigação levavam a água aos campos. Cada redução
tinha no mínimo oito imensas hortas comunais, os pomares estavam povoados de
frutas. Foram concebidas e fabricadas as
ferramentas necessárias. Muito rapidamente, as reduções constituíram o conjunto
agrícola mais completo e melhor organizado da América. Quanto à pecuária só São Miguel abatia 40
rezes por dia para o consumo dos habitantes. Charlevoix assegura que o mérito
do êxito alcançado cabia aos guaranis, como aos missionários da Companhia.
Quanto à introdução da indústria, foi muito mais difícil que a da
agricultura. No princípio produziram vestuário, habitação, ferramentas
agrícolas e transportes, as forjas e fundições vieram depois e tiveram muito
sucesso. Todas as profissões artesanais tinham sido introduzidas e prosperavam.
Fabricavam relógios, clarinetes, trompetes e tantos outros como nas melhores
fábricas da Europa. A primeira oficina de impressão da Prata foi da República
Guarani. Triunfaram em todas as artes. Montesquieu diz que o Estado Guarani foi
o único estado industrial daquele período na América do Sul. Fundiram o ferro a
partir das rochas encontradas na região e chegaram à siderurgia do aço.
As
artes
Nas artes o Barroco fez-se pleno, mostravam-se sensíveis e acessíveis,
possuíam naturalmente ouvido apurado e um singular gosto pela harmonia,
aprenderam a tocar todo o tipo de instrumento, compunham músicas. O Padre
Ripário diz que se não tivesse à vista os músicos acreditar-se-ia que as melhores
orquestras da Europa estavam de passagem pelas Índias. Quanto à pintura e
escultura eram de excelente qualidade.
O abastecimento, a armazenagem de produtos e sua distribuição eram
assegurados pelos serviços comunais, sem qualquer intermediário comercial
privado. A população obtinha os artigos sem dinheiro, nem qualquer espécie de
moeda. Muratori afirmou que “Um dos mais sólidos fundamentos da paz e da união
que reinam entre estes índios é a privação completa em que estão de espécies de
ouro e prata, assim como em qualquer espécie de moeda”. A profissão de
comerciante não existia.
Coordenação
do comércio externo
O comércio externo era coordenado por um padre que estava em Buenos
Aires, o transporte fazia-se principalmente por via fluvial em barcos à vela ou
remo. Uma rede de estradas pavimentadas também fora criada. Os principais
artigos exportados pelas reduções eram o mate, o fumo, o algodão, o açúcar, os
tecidos de algodão, os bordados, as rendas, os objetos trabalhados em torno,
mesas, armários, e baús de madeiras preciosas, esculturas, peles, curtumes e
arreios de couro, rosários e escapulários, mel, frutas de todas as espécies,
cavalos, mulas, e carneiros, assim como e excedente de diversas indústrias.
Todos eram vendidos à Europa, Corrientes, Santa Fé e Vila Rica. Importavam
produtos manufaturados e metais. Toda a produção era orientada para a
satisfação das necessidades do todo.
Propriedades
Quanto à questão da propriedade o Padre Florentin de Bourges diz: “todo
o solo pertencia à comunidade e era indivisível. Os bens são comuns, a ambição
e a avareza são vícios desconhecidos, e não se registra entre eles litígios nem
processos de divisão... Nada me pareceu mais belo do que a maneira como se
provê à subsistência de todos os habitantes do povoado. Os que fazem a colheita
são obrigados a transportar todo o cereal para os armazéns públicos,
seguidamente funcionários fazem a distribuição pelos chefes de bairro, e estes
pelas famílias, dando a cada uma, mais ou menos, segundo seja ela mais ou menos
numerosa”.
Padre Cardiel registrou que os Guaranis não têm de seu, vacas, bois,
cavalos, ovelhas ou mulas, e somente as galinhas. Tudo era comum entre eles. O
Padre Antonio Sepp, quando da demarcação dos lotes na transferência de parte do
povo de São Miguel para a nova terra disse que não houve qualquer conflito,
pois não havia demarcação de qualquer limite, todavia encontrando indiferença,
visto a satisfação com o regime de comunidade integral.
Trabalho
Quanto ao trabalho, em regra os guaranis não trabalhavam mais do que 6
horas diárias. Habitualmente iniciavam suas tarefas às nove horas, depois da
missa, e as concluíam durante à tarde. Thomas Morus reconheceu que quando toda
a comunidade trabalha este tempo é suficiente para o desenvolvimento da mesma.
A comunidade atuava também como elemento de alegria no trabalho. De manhã os
grupos desfilavam nas ruas e dirigiam-se para o campo ao som da flauta e do
tambor, transportando com grande pompa a imagem de Santo Isidro, patrono dos
agricultores. Pela tarde, no regresso, cantavam em coro suas canções de marcha.
Para a avaliação do trabalho, em geral, bastava acompanhar o ritmo
médio. Aquele que não quer trabalhar não deve comer, aquele que não pode
trabalhar deve comer. Os velhos, viúvas, órfãos, doentes eram mantidos a
expensas da comunidade. Em uma carta dirigida ao governador de Buenos Aires,
logo após a expulsão dos Padres, o Cabildo de São Luis diz: “Não somos escravos
e queremos fazer ver que não gostamos do costume espanhol que quer “cada um por
si”, em vez de se ajudarem mutuamente em seus trabalhos cotidianos”.
Apresentação
de teatro e dança
Adoravam o teatro e a dança, organizando grandes apresentações. O jogo
de bola recebia todas as atenções, conforme o Padre Cardiel, os guaranis foram
efetivamente os inventores do futebol, as bolas eram de borracha, feitas de
resina de madeira. Jogavam com os pés.
A educação recebia uma atenção muito especial, pois dependia a
prosperidade da República. Todas as crianças eram obrigadas a ir a escola pelo
menos até os 12 anos. A igualdade notava-se pelo vestuário. Homens e mulheres
recebiam em princípio, um trajo por ano, as crianças dois. O tecido e o corte
eram uniformes para todos. O mesmo princípio de igualdade fazia com que não
houvesse pobres entres eles.
A fé cristã implantou-se a custa de suor e sangue dos missionários. O
caráter fraternal das instituições guaranis e, na base, do seu regime de
propriedade, explica principalmente o fervor religioso e cristão sem par que
reinou durante mais de um século e meio. O homem não era forçado a ser egoísta.
O seu interesse pessoal coincidia normalmente com o bem da comunidade.
A
República Guarani em 1750
Em 1750 a República Guarani parecia ter atingido o seu mais alto ponto
de esplendor. A cédula real de 1743 reconhecia seu lealismo e devoção à Coroa,
porém em 13 de janeiro de 1750 ocorre o Tratado de Madri, que trocava os 7
Povos do lado esquerdo do Rio Uruguai pela Colônia de Sacramento, portuguesa,
levando à Guerra Guaranítica ocorrida entre os anos 1754 a 1756, onde no dia 7
de fevereiro ocorre a morte do Cacique Sepé Tiaraju e no dia 10 a Batalha de
Caiboaté, onde ocorreu a quebra de palavra dos exércitos de Portugal e Espanha,
pois ocorreu o empenho de palavra de que a batalha ocorreria apenas 3 dias
depois, mas os guaranis foram traídos, com isto ocorreu a morte de 1500 dos
principais caciques e líderes índios, rompendo a segurança das Reduções,
resultando na tomada pelos exércitos de Portugal e Espanha.
Os
decretos de expulsão
Finalmente em 1767 e 1768, o rei da Espanha Carlos III, assinou os
decretos de expulsão dos Jesuítas das terras da América e das Colônias
espanholas e finalmente em 1773 ocorre à supressão da Companhia de Jesus. No
Paraguai as tropas que substituíram os Jesuítas desonraram-se com atos de
violências. O povo guarani descendente daquele período continua vivo nas
aldeias ou formando os pobres do Rio Grande do Sul e América latina.
Hoje se pode ver o que restou deste grande projeto em uma visita ao
Patrimônio Histórico Cultural da Humanidade de São Miguel das Missões, único do
Sul do Brasil, mas também em outros sete locais missioneiros na parte
brasileira. Também andar a cavalo em fazendas ou andar 13 dias pelo Caminho das
Missões. Depois, passa-se ao lado argentino e paraguaio, completando a visita
turística ao Circuito Internacional das Missões Jesuítico-Guarani da América do
Sul, com 7 Patrimônios do Mundo pela UNESCO.
Texto e fotos de
José Roberto de Oliveira
+55.55.9.9638.6360
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